Após longos anos de trabalho, o empregado enfim preenche os requisitos para se aposentar, mas seu desejo é aumentar a renda familiar recebendo o benefício previdenciário (aposentadoria) cumulado com os rendimentos de seu trabalho. No entanto, para sua surpresa, a Empresa fechou as portas para ele, negando-lhe a continuidade da prestação de serviços e sem pagar qualquer verba ao trabalhador. Pode isso Doutor?
Infelizmente essa prática das empresas não é coisa rara. Todos os dias nos deparamos com trabalhadores nessa mesma situação: conseguem se aposentar e ao comunicar o fato à Empresa são desligados sob o argumento de que a aposentadoria rescinde o contrato de trabalho.
Mas será mesmo que o fato de o trabalhador conseguir se aposentar espontaneamente é motivo para rescisão de seu contrato de trabalho?
Entendemos que a aposentadoria espontânea não rescinde o contrato de trabalho, haja vista que a Lei faculta ao empregado permanecer trabalhando normalmente no mesmo emprego e receber o seu benefício previdenciário, cabendo a ele, e não à empresa, decidir se permanece trabalhando após sua aposentadoria ou não.
Não há nenhum motivo para o rompimento automático do vínculo de emprego, uma vez que o trabalhador está apenas exercendo o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum, não causando nenhum prejuízo à sua empregadora, haja vista a aposentadoria se tratar de uma relação jurídica previdenciária entre o Segurado e o INSS, não se confundindo e nem se misturando de nenhuma forma com a relação trabalhista entre trabalhador e empresa.
Dessa forma, a consequência lógica da ruptura contratual por iniciativa da empresa quando o empregado faz a comunicação de sua aposentadoria, sem requerer seu desligamento, é o pagamento de todas as verbas rescisórias advindas da rescisão contratual sem justa causa, inclusive com a multa de 40% do FGTS.
Vejamos o entendimento da Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-I) do Tribunal Superior do Trabalho:
361. APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. UNICIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. MULTA DE 40% DO FGTS SOBRE TODO O PERÍODO
A aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação. Assim, por ocasião da sua dispensa imotivada, o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já foi provocado através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.721 a decidir sobre o tema e seu posicionamento está em conformidade com o texto acima, senão vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da “relevância e urgência” dessa espécie de ato normativo.
2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade.
3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente).
4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.
5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.
6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego.
7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97.
Dessa forma, acreditamos ter esclarecido à dúvida sobre a rescisão contratual automática quando o empregado se aposenta, demonstrando que essa ruptura não encontra respaldo legal ou jurisprudencial, competindo à Empresa efetuar o pagamento de todas as verbas rescisórias do trabalhador, inclusive multa de 40% sobre todo o FGTS depositado ao longo dos anos de trabalho na empresa.
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