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Verdade e Justiça

Dano Existencial e seus impactos na relacão de trabalho

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A necessidade de transformação, de criar, de produzir, de ser útil, faz o homem um ser diferenciado. A possibilidade de tirar proveito de sua capacidade intelectual, e demonstrar o seu potencial através de suas obras, de suas criações, principalmente através de seus trabalhos, o torna especial.

Por meio do trabalho é que o homem se realiza. Nas tarefas diárias que lhe são impostas nas organizações é que o homem converge o presente, tomando como base seu passado e projetando seus anseios para o futuro. É através do trabalho que o homem detecta sua perspectiva de desenvolvimento.

ocorre dano existencial quando o empregador, de forma contínua, impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, atribui-lhe em diversas localidades atividades que lhe impedem de haver convívio familiar, ou impede o gozo das férias, ou do descanso semanal remunerado, ou exige constantes prestações de horas extraordinárias de modo a inviabilizar que o trabalhador desfrute do convívio social, impedindo-o de praticar as suas atividades familiares, recreativas, culturais, esportivas, religiosas ou qualquer outra que componha seus itens de preferências não ligadas ao trabalho

A sociedade pós-moderna, determinada pelas necessidades de ser feito pra ontem, o tal (“nowismo”), do imediatismo nas relações e informações, exige dos homens atividades múltiplas, cuja eficiência está atrelada a uma prestação de serviços que deve ser feita de forma imediata, instantânea, com resposta imediata, a seu superior imediato, a seus pares, a seus clientes, ou aqueles que estão em seu entorno.

Antes das inúmeras facilidades eletrônicas, e de toda esta rede de relações, convergindo na inevitável globalização. Havia uma jornada de trabalho demarcada, em que o tempo de serviço do trabalhador estava vinculado ao tempo em que fornecia sua força de trabalho para o Empregador, onde a jornada de trabalho demarcava uma limitação das atividades produtivas do homem, do trabalhador, daquele que saía de seu lar para produzir algo. Essas atividades podiam ser desvinculadas, interrompidas na rotina diária, sem que houvesse interferência ou permanência delas após o término da jornada, como nos dias atuais, através de celulares, tablets, notebooks, e através de diversos aplicativos a disposição do imediatismo.

Porém com o advento de novas tecnologias, como computadores, telefones celulares, e outros aparatos eletrônicos, e, ainda, diante da inclusão de novos fatores modernos de concepção de produtividade, o ser humano se vê, atualmente, ceifado de se tempo, de seu espaço e de sua própria identidade.

Os trabalhadores nos dias atuais, diante de tais necessidades mercadológicas, ou da eminência de ganhos empresariais desmedidos, por vezes se sujeitam a uma carga horária extensa, sendo tais fatores devidos a enorme concorrência no mercado de trabalho, dessa maneira por vezes se sujeitam a ficar dias longe de casa, a tolher sua vida social e familiar, contrariando seus valores e sentimentos, vindo a dispor da convivência familiar e do seu seio social, em razão de uma relação de trabalho ou garantia de empregabilidade.

Nessa relação entre consumo, produção e serviços, os dois lados desse mercado estão se corrompendo: cada ser humano deixou de se atentar para a intensidade das atividades de trabalho e o imediatismo que se propõe a cumprir suas tarefas, e, ainda, não percebe o quanto subtrai de si para vir a gerar resultados exponenciais para seus empregadores. Esse caminho tortuoso da sociedade pós-moderna se manifesta ainda mais penosa quando os próprios trabalhadores são declinados a sujeitar-se a estar ausente do convívio familiar e viver no âmbito de trabalho numa concorrência desmedida, para vir a estar em destaque dentro de seus setores e áreas de atuação, contudo nesse contexto, existe também um sentimento de perda, pois se sentem tolhidos de sua vida extra laboral, refletindo desta maneira sentimentos de angústia que derivam de frustrações de não ter tempo para cumprir todos os compromissos que firmaram, principalmente os compromissos pessoais.

Diante deste quadro, existem inúmeros trabalhadores, que ficam a disposição de suas Empresas, por vezes 1, 2, 3, 4, dias em viagens, por vezes por semanas a disposição do Empregador e voltadas totalmente para o trabalho, restando tolhidos do direito de convivência social, impossibilitados do controle de sua vida fora do âmbito empresarial, pois em razão de seu trabalho e de sua respectiva empresas, suas rotinas se resumem em trabalhar, longe de seu âmbito familiar, em viagens, em reuniões, em treinamentos, em palestras.

A qualidade de vida e a reflexão do existencialismo são tiradas do homem pelas novas tecnologias e as atividades diárias estão sendo dimensionadas em termos de produtividade. Nesse sentido o dano existencial gera ao homem frustração nos ambientes e departamentos, dado o elevado número de trabalho que se acumula nos cantos das mesas ou mesmo em diversas localidades, onde se tem o dever de produzir cada vez mais, para se demonstrar a eficiência, por vezes, sem qualquer garantia de projeção e crescimento dentro da Empresa, apenas com meras promessas pífias e sem nenhum lastro de credibilidade.

O dano existencial, portanto, ocorre nas relações de trabalho, normalmente quando o trabalhador sofre dano direto ou limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho, ou mesmo sendo ceifado do direito de convívio familiar e ao seu meio social, ceifado de vir a retornar para casa em vários dias por semana, sendo-lhe tolhido o direito de convivência e de acompanhamento de sua família e suas demais relações fora do âmbito Empresarial.

E as atividades recreativas representam “uma fonte de equilíbrio físico e psíquico, tal a compensar o intenso desgaste peculiar à vida agitada do mundo moderno”

Desta maneira, ocorre dano existencial quando o empregador, de forma contínua, impõe um volume excessivo de trabalho ao empregado, atribui-lhe em diversas localidades atividades que lhe impedem de haver convívio familiar, ou impede o gozo das férias, ou do descanso semanal remunerado, ou exige constantes prestações de horas extraordinárias de modo a inviabilizar que o trabalhador desfrute do convívio social, impedindo-o de praticar as suas atividades familiares, recreativas, culturais, esportivas, religiosas ou qualquer outra que componha seus itens de preferências não ligadas ao trabalho.

É fácil imaginar o dano causado à “vida de relação” de determinado empregado em decorrência de condutas ilícitas regulares do empregador, como a constante utilização de mão de obra em sobrejornada, impedindo o empregado de desenvolver regularmente outras atividades em seu meio social. Não se pode, contudo, descuidar da hipótese de o dano à vida da relação poder ser causado por um único ato. Um bom exemplo seria o do empregador que compele determinado empregado a terminar determinada tarefa, que não era tão urgente ou que poderia ser concluída por outro colega, no dia, por exemplo, da solenidade de formatura ou de primeira eucaristia de um de seus filhos, impedindo-o de comparecer à cerimônia.

No tocante às relações familiares não é demasiado ressaltar que a Constituição de 1988 expressamente estatui que “a entidade familiar, base da sociedade, tem especial proteção do estado” (art. 226, caput) e que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar” (art. 227). E como bem observa Maria Vittoria Ballestrero, a tutela da família não pode prescindir das normas que impõe ao tomador dos serviços o sacrifício de reconhecer ao trabalhador direitos cujo exercício pressupõe que ele saia do trabalho com tempo e energia para se dedicar ao seio de sua família. Em outras palavras, a ideia de proteção da família passa pela conciliação entre interesse do empregador de usar o trabalhador da forma que lhe for mais profícua e o interesse do trabalhador a satisfazer as exigências de sua vida privada e familiar.

E as atividades recreativas, como bem observa Eugênio Bonvicini, citado por Hidemberg Alves da Frota, representam “uma fonte de equilíbrio físico e psíquico, tal a compensar o intenso desgaste peculiar à vida agitada do mundo moderno”. Ao discorrer sobre tais atividades, Guido Gentile, citado pelo mesmo autor nacional, assinala que “o incremento delas facilita o desenvolvimento da própria labuta profissional”

Ocorrendo essas hipóteses, pode restar caracterizado o dano existencial, o qual se apresenta em dois aspectos: “dano ao projeto de vida” e “dano a vida de relações”.

O primeiro, caracteriza-se na frustração do projeto de vida que o trabalhador elaborou, atingindo seus âmbitos profissionais e familiares, cerceando o seu direito de liberdade e de escolha quanto a seu destino.

Já o “dano a vida de relações” é o prejuízo sofrido no conjunto das relações com as demais pessoas, impedindo ou dificultando claramente o trabalhador de interagir plenamente com outras pessoas de seu meio social e familiar, trocando pensamentos, sentimentos, reflexões, e situações necessárias para o pleno desenvolvimento do homem como ser social.

Verifica-se que as atividades extra trabalho são essenciais para que o ser humano alcance a plenitude da vida. A doutrina estrangeira é mais fecunda nessa análise. Como exemplo, o italiano Eugênio Bonvicini, que afirma que as atividades recreativas representam “uma fonte de equilíbrio físico e psíquico, tal a compensar o intenso desgaste peculiar à vida agitada do mundo moderno”, e, para Guido Gentile “o incremento delas facilita o desenvolvimento da própria labuta profissional”. (Apud MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de danos pessoais e materiais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 7a. Ed. 2001. P. 98-99)

As atuais discussões no Brasil em torno do reconhecimento do dano à vida de relação propiciaram significativo avanço no campo da responsabilidade.

Os tribunais trabalhistas estão compreendendo a profundidade desse tema e, ainda timidamente, reconhecendo essa nova figura, dando ênfase, ao princípio segundo o qual toda pessoa tem o direito de não ser molestada na sua existência para viver com dignidade, o que inclui o direito de não ser impedida ou dificultada nas relações familiares e sociais, na prática das suas atividades recreativas, praticadas em busca de lazer, em busca da paz de espírito, mesmo que disso tudo não resulte um déficit na sua capacidade laborativa ou de produzir quaisquer rendimentos.

Com essa visão, vemos julgados em que se conferem indenizações à trabalhadores que foram atingidos em seus direitos aos projetos de vida e convívio social, pela atitude de seus empregadores que lhe suprimem o direito ao gozo de férias, ao descanso semanal ou à jornada limitada nos padrões legais.

Nesse aspecto já temos vários julgados a este respeito, principalmente no TRT 4.

http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWi…

“PROCESSO: 0001137-93.2010.5.04.0013 AIRR

“DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS.

O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido.”

Artigo escrito por Luciano Miranda Nunes.

Fonte: http://lucianomirandanunes.jusbrasil.com.br

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