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Verdade e Justiça

Motorista de Aplicativos x Direitos Trabalhistas

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A atividade de Motorista de Aplicativos pode ser enquadrada como Trabalho Intermitente? (Análise dos Art. 443 da CLT)

As revoluções científicas, econômicas, sociais e a mais recente, a tecnológica, pressupõe uma mudança radical nos mais variados aspectos da vida em sociedade e pressupõe o progresso da humanidade.

Vivemos hoje na chamada Era da Informação, denominada por alguns autores como “era pós-industrial”, que trouxe consigo mudanças profundas nas relações interpessoais, de trabalho, lazer, educação.

As pessoas estão cada vez mais conectadas, utilizam os aplicativos de celular para realizar inúmeras atividades cotidianas como, por exemplo, escutar músicas (Spotify), pedir comida (iFood), alugar casa de férias (Airbnb), compartilhar viagens (BlaBlaCar), além de encontros românticos (Tinder), transporte urbano (Uber), entre outras.

Acreditamos que o desenvolvimento advindo dessa revolução tecnológica acarreta em uma qualidade de vida melhor para as pessoas, porém não podemos esquecer que apesar do progresso, temos que lidar com problemas daí decorrentes tais como, as mudanças comportamentais que levam a danos ambientais, desigualdades sociais e redução de direitos essenciais.

Nesse contexto de transformação social nos deparamos também com as mudanças nas relações de trabalho, que vêm se amoldando às demandas das novas tecnologias, apresentando formas de emprego não imaginadas em tempos pretéritos.

Dessas novas relações de trabalho surgem conflitos que ainda não eram previstos no ordenamento jurídico, haja vista que a velocidade da transformação da sociedade não é acompanhada com a mesma rapidez pelas normas jurídicas.

Assim, motoristas de aplicativos, em especial os do Uber, vem socorrendo-se do Poder Judiciário para apreciação de seus anseios por Justiça Social, haja vista que a Empresa lucra com sua mão de obra e não o considera empregado, ficando o trabalhador às margens das proteções legais alcançadas ao longo de décadas.

Nesse diapasão, poder-se-á entender que a atividade de motorista de aplicativos enquadra-se na nova forma de prestação de trabalho introduzida pela Reforma Trabalhista, o trabalho intermitente?

Antes de respondermos à indagação acima é importante destacar o discurso do Governo, que antecedeu a aprovação da Reforma Trabalhista, no sentido de que a modernização da Lei Trabalhista visava à criação de novos empregos e a inclusão de trabalhadores que estavam à margem da formalidade. Destacamos também que na aprovação da Lei 13.467/17 restou consignado no preâmbulo que o objetivo da Lei é a adequação da legislação às novas relações de trabalho.

Pois bem, superado o objetivo primordial da Reforma Trabalhista, passemos à análise do contrato de trabalho intermitente.

Dispõe o Art. 443 do Texto Consolidado que o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.

É considerado trabalho intermitente aquele no qual a prestação de serviços com subordinação não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador (Art. 443, §3º da CLT).

Assim, encontramos os seguintes requisitos para a caracterização de emprego: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que para ser considerado empregado o trabalho deve ser executado por pessoa física, os serviços devem ser prestados de maneira não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário (Art. 3º). Assim, encontramos os seguintes requisitos para a caracterização de emprego: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.

Em nosso entender, a pessoalidade do motorista de aplicativos, e aqui referimo-nos ao aplicativo Uber, resta caracterizada, haja vista que o próprio aplicativo informa ao cliente (usuário) quem é o motorista (trabalhador) que irá atendê-lo naquele chamado, mostrando ainda sua foto e os dados de seu veículo, podendo o cliente recusar o serviço se as características forem diferentes.

Dessa forma, faz-se necessário um cadastro do motorista nas plataformas do Aplicativo, sem o qual resta o mesmo impossibilitado de receber os chamados dos clientes da Empresa, denotando que o trabalho é realizado de forma pessoal.

A onerosidade é cristalina e caracterizada pelo recebimento de valores pecuniários por cada viagem realizada pelo motorista (trabalhador). Diga-se de oportuno que a maioria dos pagamentos são realizados diretamente à Empresa proprietária dos aplicativos (Uber), que repassa o pagamento ao motorista após retirar o seu lucro.

A subordinação pode ser verificada na dependência da estrutura organizacional da Empresa, sem a qual, não haveria a prestação de serviços do trabalhador, que exerce a função da atividade fim da empresa (transporte de passageiros), sendo necessária ao funcionamento do próprio negócio.

Não menos importante é o fato de o critério de remuneração ser gerenciado pela Empresa e não pelos motoristas. Além disso, o trabalhador não pode oferecer o serviço de “Uber Black”, por exemplo, a seu bel prazer, pois quem define a categoria de seu carro é a Empresa, que faz uma inspeção prévia obrigatória no veículo do Motorista e informa qual serviço está apto a prestar.

Vale destacar ainda que o Motorista também é avaliado pelos serviços prestados aos consumidores da Empresa e que, havendo uma baixa pontuação, fica o trabalhador excluído de algumas promoções, podendo inclusive ser afastado das atividades.

Assim, não restam dúvidas que há uma subordinação na relação da Empresa de Aplicativos (Uber) e o Motorista (Trabalhador), que pode ser compreendida através do conceito amplo de subordinação (subjetiva, objetiva ou estrutural), conforme Jurisprudência abaixo:

[…] ELEMENTOS DEMONSTRATIVOS DA SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. O Direito do Trabalho, classicamente e em sua matriz constitucional de 1988, é ramo jurídico de inclusão social e econômica, concretizador de direitos sociais e individuais fundamentais do ser humano (art. 7º, ” caput “, da CF). Volta-se a construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, IV, CF). Instrumento maior de valorização do trabalho e especialmente do emprego (art. 1º, IV, art. 170, ” caput ” e VIII, CF) e veículo mais pronunciado de garantia de segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça às pessoas na sociedade econômica (Preâmbulo da Constituição), o Direito do Trabalho não absorve fórmulas diversas de precarização do labor, como a parassubordinação e a informalidade. Registre-se que a subordinação enfatizada pela CLT (arts. 2º e 3º) não se circunscreve à dimensão tradicional, subjetiva , com profundas, intensas e irreprimíveis ordens do tomador ao obreiro. Pode a subordinação ser do tipo objetivo, em face da realização pelo trabalhador dos objetivos sociais da empresa. Ou pode ser simplesmente do tipo estrutural, harmonizando-se o obreiro à organização, dinâmica e cultura do empreendimento que lhe capta os serviços. Presente qualquer das dimensões da subordinação (subjetiva, objetiva ou estrutural), considera-se configurado esse elemento fático-jurídico da relação de emprego. Na hipótese, as informações constantes no acórdão regional demonstram a existência dos elementos caracterizadores da relação de emprego, porquanto o trabalho do Autor para o Reclamado era subordinado, oneroso e não eventual. Forçoso, portanto, restabelecer a sentença, que reconheceu o vínculo de emprego entre as Partes. Recurso de revista conhecido e provido. (G.N.)

(TST – RR-710-60.2017.5.09.0127, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 07/06/2019).

Finalizando a análise dos elementos caracterizadores da relação de emprego, temos que a habitualidade encontra-se de forma latente no caso dos motoristas de aplicativos, pois, apesar de poderem optar trabalhar nos dias e horários que entenderem melhor, a inovação trazida pela Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), admitiu a modalidade de trabalho intermitente, que se enquadra justamente ao caso em debate.

Considerando que o significado de trabalho intermitente é a alternância entre períodos de atividade (prestação de serviços) e inatividade, temos que é plenamente aplicável tal modalidade de contrato de trabalho aos motoristas de aplicativos, haja vista que as normas jurídicas devem guardar harmonia com os princípios que as regem e, em especial, com aqueles que fundamentam o Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, que somente poderão existir se houver respeito ao princípio da proibição do retrocesso social, visando à concretização de igualdade de oportunidades a todos.

Em recente decisão (Agosto/2019), o TST analisou a aplicação e validade do trabalho intermitente, concluindo que o mesmo flexibiliza a forma de contratação e remuneração, combate o desemprego e traz segurança jurídica. Vejamos:

II) RECURSO DE REVISTA – RITO SUMARÍSSIMO – TRABALHO INTERMITENTE – MATÉRIA NOVA – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA – VIOLAÇÃO DO ART. 5º, II, DA CF – DESRESPEITO PATENTE À LEI 13.467/17, QUE INTRODUZIU OS ARTS. 443, § 3º, E 452-A NA CLT

[…]

6. Numa hermenêutica estrita, levando em conta a literalidade dos arts. 443, § 3º, e 452-A da CLT, que introduziram a normatização do trabalho intermitente no Brasil, tem-se como “intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria” (§ 3º). Ou seja, não se limita a determinadas atividades ou empresas, nem a casos excepcionais. Ademais, fala-se em valor horário do salário mínimo ou daquele pago a empregados contratados sob modalidade distinta de contratação (CLT, art. 452-A).

7. Contrastando a decisão regional com os comandos legais supracitados, não poderia ser mais patente o desrespeito ao princípio da legalidade. O 3º Regional, refratário, como se percebe, à reforma trabalhista, cria mais parâmetros e limitações do que aqueles impostos pelo legislador ao trabalho intermitente, malferindo o princípio da legalidade, erigido pelo art. 5º, II, da CF como baluarte da segurança jurídica.

8. Ora, a introdução de regramento para o trabalho intermitente em nosso ordenamento jurídico deveu-se à necessidade de se conferir direitos básicos a uma infinidade de trabalhadores que se encontravam na informalidade (quase 50% da força de trabalho do país), vivendo de “bicos”, sem carteira assinada e sem garantia de direitos trabalhistas fundamentais. Trata-se de uma das novas modalidades contratuais existentes no mundo, flexibilizando a forma de contratação e remuneração, de modo a combater o desemprego. Não gera precarização, mas segurança jurídica a trabalhadores e empregadores, com regras claras, que estimulam a criação de novos postos de trabalho.

9. Nesses termos, é de se acolher o apelo patronal, para restabelecer a sentença de improcedência da reclamatória trabalhista. Recurso de revista conhecido e provido. (G.N.)

(TST – RR 10454-06.2018.5.03.0097, 4ª Turma, Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho, DJET: 09/08/2019)

Essa importante decisão garantiu a efetividade da norma, que vinha sendo rechaçada por alguns Tribunais Regionais do Trabalho, trazendo mais segurança jurídica e anseio pela aplicação em respeito aos princípios de proteção ao trabalhador, da primazia da realidade e da vedação ao retrocesso.

Esperamos que a evolução dos meios digitais não dizime ou precarize as relações de emprego, transformando os trabalhadores deste século em verdadeiros escravos virtuais, sob pena de flagrante retrocesso social.

Esperamos que a evolução dos meios digitais não dizime ou precarize as relações de emprego, transformando os trabalhadores deste século em verdadeiros escravos virtuais, sob pena de flagrante retrocesso social.

Por todo o exposto, entendemos plenamente aplicável a modalidade de trabalho intermitente às atividades de motoristas de aplicativos, flexibilizando as regras no que for incompatível para que se atinja os fins colimados pela Reforma Trabalhista, qual seja, adequação da legislação às novas relações de trabalho para a inclusão de trabalhadores que estavam à margem da formalidade.

Cumpri-nos ainda destacar que os Tribunais Regionais da 2ª e 3ª Região já possuem decisões favoráveis ao reconhecimento de vínculo de emprego do motorista de aplicativos com a Empresa Uber, vide TRT3 – RO 0010806-62.2017.5.03.0011, TRT2 – RO 1000123-89.2017.5.02.0038.

Em escala Mundial, destacamos também a recente (SET/2019) aprovação do Projeto de Lei nº 5 pelo Senado do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, em que as empresas digitais de transporte, como a Uber e a Lyft, passarão a ser obrigadas a contratar como empregados de fato os motoristas desses aplicativos de transportes, proibindo os trabalhadores temporários e os freelancers.

Dessa forma, acreditamos que a aprovação da Lei na Califórnia servirá de modelo para o mundo e assim, esperamos que em breve nosso País faça a regulamentação correta desse novo modelo de negócio, garantindo a preservação do progresso e, sobretudo, respeitando à dignidade dos trabalhadores e os avanços sociais já alcançados ao longo de décadas, com a finalidade de se alcançar um equilíbrio entre capital e trabalho.

“Deixar o trabalhador por aplicativo à margem das garantias e dos direitos sociais afigura-se inconstitucional, repita-se. Deixá-lo à margem da garantia de segurança, de limitação de jornada, de férias, de descanso semanal remunerado, de décimo terceiro salário significa retroceder nos direitos sociais a um tempo muito anterior à própria CLT de 1943. Significa o retrocesso à Idade Média, ao “laissez faire”, mas sem qualquer proteção. A exclusão de tais trabalhadores do manto dos direitos sociais é um retorno ao momento anterior à Revolução Industrial, ocorrida há dois séculos atrás. Há dois séculos atrás, na França e na Inglaterra já se estipulava a limitação à jornada, o direito ao DSR. Há um século já se regulava salário-mínimo, a proteção contra acidentes, os seguros sociais”[1].

[1] Trecho da Sentença proferida pela Meritíssima Juíza:Lávia Lacerda Menendez na Ação Civil Pública nº 1001058-88.2018.5.02.0008

Por fim, merece especial destaque o reconhecimento de vínculo de emprego entre a LOGGI TECNOLOGIA LTDA. e os condutores profissionais que prestam serviços de transporte de mercadoria através de suas plataformas digitais, conforme trecho abaixo extraído da decisão na Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho:

O trabalho por aplicativos ou “on demand” pode se dar à conta própria ou de outrem. Por exemplo, se alguém coloca sua casa para alugar através de um sítio de internete como Airbnb ou sua vaga de hotel pela Booking, usa tais plataformas para viabilizar seus próprios negócios. O mesmo se dá para aqueles que vendem objetos pelo Mercado Livre. Quem oferta seu imóvel fixa o preço e as condições. A contratação se dá entre quem está locando a casa e o que pagará pelo aluguel, entre o dono do objeto e o que pretende a compra. Quem utiliza o aplicativo usa a plataforma para escolher o imóvel, o hotel ou o objeto, que são diversos entre si em inúmeras possibilidades. Os “bens” ofertados pela plataforma são diferentes, com distintos preços e qualidades. As plataformas como Airbnb, Booking e Mercado Livre atuam como mero buscador.Essa modalidade tem sido denominada “couchsurfing” (hospedagem de pessoas na casa de outras pessoas). Nessa relação o aplicativo não dita o modo do contrato entre as pessoas, não estabelece o tempo, o meio, o valor de pagamento. O aplicativo é um intermediário.

Diversa é a situação daquele trabalhador que coloca sua força de trabalho a serviço do aplicativo. Este não fixa o preço, forma de pagamento, logística, prazos, não define as condições da oferta do bem. Nesse caso, quem oferece o serviço e define suas condições é o aplicativo. Os clientes são do aplicativo, não dos entregadores. A relação do cliente se dá com o aplicativo, não com o entregador, visto que todos os entregadores fazem o mesmo serviço. O cliente não escolhe o entregador, mas pelo serviço ofertado pelo aplicativo, feito por qualquer entregador. O “bem” ofertado pela plataforma é um só: o serviço de entrega, sem distinção de preço ou qualidade.

O aplicativo não é apenas o meio da realização da transação, mas seu próprio realizador, idealizador, vendedor, empreendedor. Ele estipula as regras e o prestador de serviços e o cliente final a elas aderem como num contrato de adesão: não se negocia preço ou modo de confecção ou realização.

(Processo: ACPCiv 1001058-88.2018.5.02.0008, Sentença proferida em 06/12/2019, Juíza: Lávia Lacerda Menendez, 8ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP)