Tenho valores depositados em minha conta vinculada do FGTS e necessito deles para arcar com minhas despesas emergenciais decorrentes da Pandemia do Coronavírus (covid-19). Pode isso Doutor?
Pois bem, segundo a Constituição Cidadã de 1988, o fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS) é um direito do trabalhador e a ele pertence (Art. 7º, III). Certos disso, precisamos analisar as hipóteses legais que autorizam o levantamento do referido fundo pelo trabalhador.
Nesse sentido, temos que o FGTS é regulamentado pela Lei 8.036/90, que prevê em seu Art. 20 as hipóteses em que a conta vinculada do trabalhador pode ser movimentada, dentre as quais destacamos:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
[…]
XVI – necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:
a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;
b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e
c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento.
(grifo nosso)
Cumpre-nos agora analisar o citado dispositivo e sua aplicabilidade, pois este autorizou a movimentação do FGTS em casos de necessidade pessoal, cuja urgência decorra de desastre natural.
É cediço que a pandemia provocada pelo coronavírus (covid-19) foi reconhecida pelo Governo Federal, através do Decreto Legislativo nº 6 (de 20 de março de 2020), como estado de Calamidade Pública, autorizando que medidas emergenciais sejam tomadas para o enfrentamento da disseminação do vírus e da emergência de saúde pública de importância internacional.
Sabemos também que Lei 10.878/04, que inseriu o inciso XVI ao Art. 20 da Lei do FGTS, foi criada com a finalidade de “possibilitar aos trabalhadores reduzidos pela intempérie à situação de carência insuportável, a reposição de alguns bens indispensáveis para garantir nível mínimo de condição digna de vida” e que o momento hoje vivido por muitos trabalhadores brasileiros assemelha-se ao que ocorreu à época de edição da referida Lei.
Assim, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (Art. 5º da LINDB) e, quando ela for omissa, decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Nesse sentido, apesar de não haver previsão legal expressa sobre o saque do FGTS em decorrência da Calamidade Pública provocada pelo Coronavírus (covid-19), entendemos que é possível a movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS, em caso de necessidade pessoal, com apoio na analogia, no princípio da dignidade da pessoa humana e no fim social à que se destina o fundo de garantia do trabalhador.
Cabe destacar ainda que em recente julgado proferido pela Desembargadora Raquel de Oliveira Maciel, da 7ª Turma do TRT da 1ª Região, nos autos do Recurso Ordinário 0101212-53.2018.5.01.0043, a Magistrada entendeu que a liberação do FGTS além de não prejudicar qualquer direito da Empresa, é um direito do trabalhador, autorizando o levantamento em função da calamidade pública reconhecida, vejamos:
“Tendo em vista que o FGTS é direito dos trabalhadores, nos termos do art. 7º, III, da Constituição Federal; que o art. 20, XVI, alínea a, da Lei 8.036/90 autoriza a movimentação da conta de FGTS dos trabalhadores residentes em áreas de calamidade pública; que o Decreto Legislativo 6/20, reconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de coronavírus (Covid-19); que estão suspensas as sessões de julgamento neste Tribunal por conta desta mesma pandemia, impactando de forma negativa no tempo razoável do processo, por fim, que a liberação do FGTS não prejudica qualquer direito da parte empregadora, expeça-se alvará ao Autor para saque do montante depositado em sua conta vinculada de FGTS”.
(TRT-1, RO 0101212-53.2018.5.01.0043, 7ª Turma, Desembargadora Raquel de Oliveira Maciel, Decisão proferida em 26/03/2020)
Desta forma, essa importante jurisprudência reforça o entendimento acima exposado sobre a possibilidade de saque do FGTS nesse momento de calamidade pública provocado pela pandemia do coronavírus (covid-19).
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Atenção: Para informações sobre a autorização temporária de Saque do FGTS, regulamentada pela Medida Provisória nº 946, de 07 de abril de 2020, clique aqui.
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Leituras Recomendadas:
– Autorização Temporária para Saque do FGTS
– Coronavírus – MP 927/2020 – Reflexos no contrato de trabalho