“A Empresa alterou minha jornada de trabalho de modo que inviabilizou buscar meu filho com deficiência na Escola, bem como me afastou de seu convívio, haja vista que o horário em que ele retorna da Escola e precisa da minha atenção e cuidado eu estou ausente, trabalhando. Considerando que recusei a mudança de horário imposta pelos motivos acima, acabei sendo dispensado por justa causa”. Pode isso Doutor?
A postura da Empresa
Infelizmente, situações como a exemplificada acima ocorrem com frequência na vida dos trabalhadores que têm filhos com deficiência. Algumas Empresas, por visarem somente o lucro, se esquecem de suas funções sociais, dos valores sociais do trabalho e não dão a mínima para a dignidade das pessoas.
Atitudes como essas devem ser repudiadas e combatidas nos termos da lei!
Princípios Fundamentais
Um dos princípios fundamentais que regem a República Federativa do Brasil é o da Dignidade da Pessoa Humana que, ao lado do Valor Social do Trabalho são fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme disposto no Art. 1º, incisos III e IV da Constituição Federal (CF/88).
Destacamos ainda que é objetivo fundamental do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação (Art. 3º, I e IV da CF/88).
Nesse cenário, a Empresa Brasileira, ou aqui estabelecida, deve ater-se a seu papel na sociedade (sua função social), observando a valorização do trabalho humano, que tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (Art. 170 da CF/88).
Absoluta Prioridade da Criança
Destacamos ainda, que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 227 da CF/88).
Assim, é dever da Empresa (como parte integrante da sociedade) assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar.
Convenção da ONU
Em relação ao caso em debate, cumpre ainda informar que o Brasil aderiu à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova York, 2007), inserida em nosso ordenamento jurídico através do Decreto nº 6.949/2009, que assim dispõe em seu Artigo 7, relacionado à Crianças com Deficiência: “Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial” (grifamos).
Estatuto da Pessoa com Deficiência
Em sintonia com a Convenção da ONU encontra-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida com Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que assim prevê:
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico. (Grifamos)
Violações Legais
Ao que se percebe, pela análise dos princípios e normas constitucionais e legais acima transcritas, é que a atitude da Empresa, no caso apresentado, deixou de observar, entre outros:
- sua função social;
- o valor social do trabalho;
- a dignidade da pessoa humana;
- a promoção do bem de todos; e
- a prioridade da criança em relação ao direito à educação, ao lazer e à convivência familiar, em especial da criança com deficiência.
Exercício Regular de Direito
Não obstante isso, o trabalhador, ao recusar a alteração contratual lesiva, age no exercício regular de seu direito, pois conforme previsão legal do Art. 468 da CLT só é lícita a alteração contratual por mútuo consentimento e, ainda, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado.
Conclusão
Dessa forma, entendemos que a dispensa por justa causa aplicada por recusa à mudança da jornada de trabalho, que afeta sensivelmente o direito de convivência familiar do trabalhador com seu filho com deficiência, acarretando ainda prejuízos no direito à educação e ao lazer, é ilegal, arbitrária e abusiva.
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