A Constituição Federal de 1988 veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto, traduzindo-se na famosa estabilidade provisória da gestante.
Consoante Art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto
O que é Dispensa Arbitrária?
Dispensa arbitrária é a que não se funda em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, conforme art. 165 da CLT.
O que é Dispensa por Justa Causa?
Constituem justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador as hipóteses previstas no Art. 482 da CLT, que são:
- ato de improbidade;
- incontinência de conduta ou mau procedimento;
- negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
- condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
- desídia no desempenho das respectivas funções;
- embriaguez habitual ou em serviço;
- violação de segredo da empresa;
- ato de indisciplina ou de insubordinação;
- abandono de emprego;
- ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- prática constante de jogos de azar.
- perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Assim, nas hipóteses de dispensa por justa causa elencadas acima ou dispensa fundada em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro não há que se falar em garantia provisória de emprego da gestante. Nos demais casos, fica vedado a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Interpretações diferentes
Ocorre que a garantia enunciada pelo Art. 10, II, b) do ADCT permitiu interpretações diversas das traçadas pelos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é promover o bem de todos, sem qualquer preconceito ou discriminação, tratando todos com igualdade.
Nesse sentido, prevaleceu durante alguns anos o entendimento que a garantia provisória de emprego da gestante somente era aplicada aos contratos de trabalho por prazo indeterminado. Argumentava-se que, nos contratos a termo, as partes já sabiam previamente quando se daria o fim do pacto laboral e que assim não haveria nenhuma “surpresa” com a rescisão do contrato de trabalho que, por esse motivo, não seria arbitrária ou sem justa causa. Assim, não havia direito à estabilidade provisória da gestante nesse contexto.
Esse entendimento foi inclusive Sumulado pelo órgão máximo da Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que informava através do Item III da Súmula 244, que vigorou de 08/11/2000 a 27/09/2012, que:
“Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”[1](G.N.).
Com o passar dos anos, foram surgindo decisões contrárias ao enunciado da antiga Súmula do TST, inclusive do guardião da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal que desempenhou bem seu papel nesse ponto. Vejamos:
SERVIDORA PÚBLICA GESTANTE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT/88, ART. 10, II, b) CONVENÇÃO OIT Nº 103/1952 INCORPORAÇÃO FORMAL AO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (DECRETO Nº 58.821/66) – PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO ÓRGÃO PÚBLICO COMPETENTE RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O acesso da servidora pública e da trabalhadora gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes. – As gestantes quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, b), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º) , sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103/1952. – Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico- -administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes. (RE 634.093-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 06/2/2011)Seguindo a evolução da jurisprudência, o TST modificou seu entendimento e em 14/09/2012 alterou o conteúdo do Item III da Súmula 244 garantindo a estabilidade provisória de emprego à empregada gestante, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado:
Súmula nº 244. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA […] III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.As normas jurídicas devem guardar harmonia com os princípios que as regem e, em especial, com aqueles que fundamentam o Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, que somente poderão existir se houver respeito ao princípio do direito à vida. Tudo aplicado de forma igual a todos, em respeito ao princípio da igualdade.
Nesse diapasão, acertou o legislador ao elaborar a lei 12.812/2013 que acrescentou o Art. 391-A à Consolidação das Leis do Trabalho e que assim dispõe:
Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.Com essas alterações na legislação não há dúvidas sobre a aplicação da garantia provisória de emprego da gestante, pois até mesmo no curso do aviso prévio e nos contratos de trabalho a termo (as duas discussões que haviam) foram contemplados com a correta interpretação do dispositivo constitucional.
Tese Jurídica Prevalecente nº do TRT/SP
Porém, em 06 de julho de 2015, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) publicou a Resolução TP 05/2015[2] onde editou as Teses Jurídicas Prevalecentes naquele Tribunal, dentre as quais destacamos a Tese de nº 5 que assim prevê:
TESE JURÍDICA PREVALECENTE Nº 05 Empregada gestante. Contrato a termo. Garantia provisória de emprego. A empregada gestante não tem direito à garantia provisória de emprego prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, na hipótese de admissão por contrato a termo.Tal tese contraria toda evolução jurídica conquistada até então, afronta a Constituição Federal e ofende os consagrados princípios do direito à vida, da igualdade, da proteção à maternidade, da dignidade da pessoa humana e da proteção à família.
Agindo dessa forma o TRT de São Paulo atrasa o andamento processual visto que será necessário recorrer ao TST para se reconhecer um direito indiscutível da empregada gestante, ofendendo assim mais um princípio: o da celeridade processual.
Constituição Federal, Art. 5º […] LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.Vale lembrar que a essência da garantia provisória de emprego da gestante visa assegurar o direito à vida (o mais importante dos direitos fundamentais), dando efetividade à dignidade da pessoa humana, indo além da gestante, beneficiando toda a família, com reflexos na própria sociedade (por ser sua base) e principalmente pondo a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
RECURSO DE REVISTA – GESTANTE – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. Estabelece o art. 10, II, “b”, do ADCT/88 que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo nenhuma restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho, mesmo porque a garantia visa, em última análise, à tutela do nascituro. O entendimento vertido na Súmula nº 244, III, do TST encontra-se superado pela atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime de trabalho, têm direito à licença maternidade de 120 dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido, em afronta ao art. 10, II, ‘b’, do ADCT/88. Recurso de revista conhecido e provido. (G.N.) RR-1601-11.2010.5.09.0068, 1ª Turma, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, in DJ 9.3.2012.Garantia Provisória de Emprego ao Pai
Assim, a garantia de estabilidade provisória no emprego da gestante é uma efetivação concreta de outros direitos previstos na própria Constituição Federal, trazendo à tona a ideia do neoconstitucionalismo, que busca a efetivação das normas constitucionais, fazendo com que essas deixem o campo das ideias e façam parte da realidade cotidiana da sociedade. Acreditamos inclusive que essa garantia provisória de emprego deve ser estendida ao pai do nascituro conforme já publicado no site LLopes Advogados.
Desta feita, esperamos que o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região modifique seu posicionamento a tempo sobre a garantia provisória de emprego da gestante nos contratos por prazo determinado, mantendo em harmonia o entendimento dos Órgãos Judiciais, oferecendo segurança jurídica à norma, contribuindo dessa forma para o bem de todos e a paz social.
Leituras Recomendadas:
- O Trabalho da Mulher e as Proteções da CLT
- Bem Mãe
- Estabilidade Provisória no Emprego para quem tem a Guarda
- É proibida a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência
- Garantia Provisória de Emprego ao Pai: medida de Proteção à Vida e à Família
- Estabilidade pré-aposentadoria
Referências:
[1] Disponível em: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-244. Acesso em 27/07/2015.
[2] Disponível em: < http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Normas_Presid/Resolucoes/TP_05_15.html>. Acesso em 27/07/2015.